Ebrio no quotidiano

Ébrio no quotidiano

 

 

 

Eu não tenho poesia em mim

Ainda hoje , quando passeava o pensamento

Senti os olhos de um paraplégico , cravados em mim

Eram corroídos , doridos , vagos

Por um triste destino sem piedade !!!

( que pensaria quando me fitou ?! )

 

A esposa empurrava lentamente , a cadeira

Dos medos , dos receios e incertezas

Trazia na alma clínicas incapazes

E ecos de vozes sábias

Dos infindáveis dias de fisioterapia ;

-         quanto estaria saturado de viver ?!

 

E se fosse eu meu amor ?

Quantos dias me lavarias o corpo

E me despirias a roupa sem sexo?

E se fosses tu meu amor ?

Banhar-te-ias  nas águas do abandono ,

E aceitarias a minha visita duas vezes por semana ?!

 

- Que destino!!

 

Como vês meu amor

Eu não tenho poesia em mim

Porque qualquer esplanada , é um miradouro

Onde vou beber o quotidiano

E pago bem , por tanto discernir!!

 

 

Sabes porque não me toleras ?

Porque tu te abominas a ti mesma ;

Enquanto eu vivo realidades que não as minhas

Tu vives no cabeleireiro , e nessas boutiques de seda falsa

Sem rota , nem nada

Que são de uma marca qualquer

E te tornam a mais bela das feias

-         mas , não há duvida que tens outro ar assim vestida !!

-         tens ar de galdéria impassível !!

 

Como vês meu amor

As rosas que te comprei são invisíveis !!

Espero que fiquem bem , naquela jarra de loiça chinesa ;

Afinal quando a compraste

Disseram-te que era pintada á mão

- eu sei meu amor!

Que nunca ninguém te tinha ofertado

Rosas de fragrâncias inodoras !!

Mas , que diria melhor com o teu ar petulante !!

 

- Não me queres dizer o que compraste hoje ?

 

- Olá menina !

não viu passar por aí a ira do amor ?

veja lá a menina

que ofertei umas rosas invisíveis ao meu amor ...

...raríssimas !!

ela que tanto gosta dessas coisas !!

E ela agradeceu-me sentido-se ofendida

Queria seguir-lhe o rasto , mas

São rosas de fragrâncias inodoras

 

-         que destino !!

-         - que se lixe a petrónia !!

 

 

Eu sei que não sou nada poético

Sabe !? falta-me o charme

Vou escrever-lhe uma carta

De um encantador romantismo acinte e insípido !!

Os meus presentes são inimagináveis surpresas

Por vezes orno-os com um colorido papel de cinismo

Com um laço rúbeo de ironia

 

-         desculpe , devo estar a maça-la !?

 

Estou aqui observando

E espero ver passar a simplicidade

A simplicidade é rara e discreta

E costuma andar fora de moda ;

Procuro uns cabelos de estanho

Olhos sem disfarce , sorriso de zinco

E corpo de estatua grega

Boa conversadora de serões á lareira

Que goste de discutir as formas das nuvens

E jantar á luz dos pirilampos

-         Estarei a ser muito exigente ?

-         Acaso a menina não conhece ninguém nestas condições ?

 

Estou um pouco ébrio

O discernimento tem a sua embriaguez ;

- vê aquele casal ?!

não os conheço , mas amo-os

repare como são simples , humildes e  modestos

acabaram de ofertar uma esmola aquele pedinte ali na esquina

não ouve o bater dos seus corações ? !

...como soam !!

lembram-me os sinos da aldeia

despertando a alvorada dos sentimentos ;

a minha alegria , o meu contentamento

também depende da felicidade deles

 

- Não sente uma efémera aura de felicidade ?

 

Adeus menina !!!

Quando quiser conversar um pouco

Estarei numa esplanada do mundo

A beber o quotidiano

 

 

 

   

Género: