_A' Illustrissima, e Excellentissima Senhora Condeça de Tarouca, na occasião do seu Casamento_.

Senhora, o Forte da Estrella,
Chorando o bem que perdeo,
Das suas justas saudades
Por portador me escolheo;

Quiz que eu viesse contallas
Ao som desta rouca Lyra,
De longos annos affeita
A acompanhar quem suspira;

Não fallo nos ternos Pais;
Nelles a alta Jerarquia
Tempéra saudozo pranto
Com o pranto da alegria;

Ao nome dos seus Passados
Planos caminhos achárão,
Unindo ao sangue de Heróes
O sangue de Heróes que herdárão;

Não fallo no amavel Conde;
Esse não faz compaixão;
Tem seges, tem bons cavallos,
Tem o remedio na mão;

Sobre rápidos ginetes,
Quebrando a dura calçada,
Com o Francisco a reboque,
Andará sempre na estrada;

Tambem das caras Irmans
Não venho as mágoas pintar;
Co'a terna Mãi muitas vezes
As virão desafogar;

Fallo da triste Familia,
Que em amoroza manîa
Accuza o Ceo, que vos deo
Formozura, e Fidalguia;

Dons, de seu mal cauzadores;
E que deixão coroado,
Na mais illustre Conquista,
O mais ditozo Soldado;

Ralham delle a toda hora;
Foi cauza do seu tormento;
Elogião, e praguejão
Seu alto merecimento;

Se he Soldado, siga a Guerra,
E as funestas glorias della;
Ataque milhões de Fortes,
Mas deixe em paz o da Estrella;

Tem figura, tem talentos;
Tem alta Estirpe preclara;
Oxalá que assim não fosse,
Ella então o desprezára; =

Mas, Senhores, perdoai-lhes;
A's vezes na grande dor
Fallão palavras de raiva
A linguagem de amor;

O Silva, o Authomato honrado,[1]
Anda mais abstracto, e mudo;
Põe o doce antes da sôpa;
Queima o Café, quebra tudo;

[Nota de rodapé 1: Copeiro.]

O hirsuto, austéro Rodrigues,
Semblante de poucas pazes,
Desafoga a sua dor,
Dando murros nos rapazes;

Vossa Aya, de tres idades,
Em canto escuro assentada,
Vos manda calado pranto,
N'um cobertor abafada.

Outras vezes esquecida
De quanto seu Fado he crú,
No queixo ajustando o lenço,
E sobrepondo o bajú:

Ergue ao ar cansados ossos;
E sem temer ventos frios,
Tirando-lhe Amor o pezo
Dos gelados pés tardios;

Do bom costume enganada,
E com a uzada cautela,
Para dar, e ter, bons dias,
Vos vai abrir a janela;

A janela a desengana;
Renova-lhe a dor no peito;
Chama em vão o vosso nome,
Abraçando hum ermo leito.

Do peito das mais Creadas
A saudade se não risca,
Desde as Ayas ralhadoras,
Té á ladina Francisca.

E pois que o sangue de Reis,
Pois que a Augusta Ceremonia,
Bem a pezar das Creadas,
Vos trouxe a Santa Apollonia;

Ide, Senhora, mil vezes
Curar-lhes a fresca chaga;
Seu pranto he filho de amor,
E amor com amor se paga;

Na rica, airoza Berlinda,
Dando ao digno Espozo parte,
Aos patrios lares vos leve
Amor nos braços de Marte.

O Téjo, abaixando as ondas,
Vossos pés virá beijar;
Vai das Ninfas que creou,
Ver a Ninfa Tutelar.

Os Prazeres com os Rizos
Sejão a vossa equipagem;
Revôem em torno as Graças,
De quem sois a inveja, e a imagem:

Entrai nos tectos dourados,
Hoje lugar de saudade;
Ide, dos braços do Amor,
Lançar-vos nos da Amizade;

Levai-nos as doces noites,
Em que a voz que se escutava,
Sobre as azas da harmonia,
Nos nossos peitos entrava;

Quando o Cómico travêsso,
Entre geitos, e corcovos,
Habilmente arremedava
Todos os Muzicos novos,

O triste, calado Cravo;
Já não sente a déstra mão;
Apenas he perseguido
Pelo Senhor Dom João.[2]

[Nota de rodapé 2: Menino.]

Ide, Senhora, levar-nos
No vosso rosto a alegria;
Fazei á triste Junqueira,
O que faz o Sol ao dia;

Mas, Senhora, a minha Muza
Tem talvez errado os Cultos;
Cuidando ter feito obsequios,
Talvez tenha feito insultos;

Dirão, que, trocando as cordas
Forão meus sons desiguaes;
Que errei em fallar aos Filhos,
Sem fallar primeiro aos Pais.

Que podia esta Embaixada
Se désse em mais habil mão,
Cumprir as leis da Saudade,
Sem violar as da razão;

Mas, Penalvas, dito, dito;
Defendo o meu sacrilegio;
Sois tudo; mas não sois Noivos,
E he este o seu privilegio.

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