As laranjeiras e o meu pai

A vida é um somatório de momentos, de instantes, não existe nenhum conversor de escalas que os quantifique, podem durar uma eternidade ou simplesmente nada, ultrapassando o tempo sem deixar rasto.

Outros permanecem para sempre, o sorriso do meu pai, a primeira vez que vi uma estrela-do-mar azul, o olhar do meu filho, a voz da minha filha, as palavras da minha avó, o barulho do ribeiro da azenha, o cantar do rouxinol da eira nas noites quentes de verão, o reservatório de água do alto da quinta, o cheiro dos eucaliptos nos dias de chuva, a suavidade da lama que sentia nos pés quando regava as laranjeiras com o meu pai, o cantar das cigarras, o chilrear dos estorninhos do pinheiro manso, aquele peixe grande que se foi embora no poço da cal, o outro ainda maior que olhou para mim no mar do pinhal de são torpes, os raios de sol que penetram a neblina no meio da barragem do cabril, o barulho do mar que embala o sono na praia da tocha, a vertigem do baloiço da enorme tília, o barulho do vento das noites de Tarifa, as salamandras do poço da quinta, aquele pássaro de língua comprida que só vi uma vez, o papa-formigas…

O tempo que não registamos são pedras todas iguais que não somos capazes de identificar.

MS

(17/07/2014)

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