Surrealista

Desagoneio

Percebes a inigualável quimera,
quem entre os moucos assevera?
Chama que destrói e te espera
na leitosa bruma, prouvera?
 
Esperá-lo-ás como num devaneio?
Esperá-lo-ia! Num desagoneio
Na brisa matutina permeio
Essa quimera por quem esperneio...
 
Onde estás a camurça-cetim?
Caminhou a trilha, a Flor-de-cetim
Esquecê-lo-ás as sílabas deste folhetim
 
Onde estás a senhora-dama, perdida num festim?

Evocação lírica

A métrica é fática e lesada
À pratica transcende-a, ópio!
Sofrer-te, a cada dia, um hipópio,
moribundo rumo, mente brocada!
 
Em mais um dia, uma singela cantata,
conta-se as rima, como um larápio?
Conta-me segredo que ocupe mais espaço!
Horas passadas sem nenhuma serenata...
 
Ó, Orpheu! Se não foste eu?
Calíope, Erato, musa Polímia...
Apesar de tudo, se não foste, eu?
 
Ó,leva-me Tália aos Pirineus?

Veneno à conta gotas

 
                                                             A
                                                          cada
                                                      gole deste
                                                    veneno vamos
                                                vivendo, escondendo
                                                    as noites frias
                                                   e os dias cinzas.

Àquela pedra

Mesmo que a mesmice repita refletindo o reflexo,
Das verdadeiras verdades que sobem para cima,
Daquele muro cercado pelas suas imundas lamentações.
 
Estarei sentado e àquela pedra lamuriei:
Que no meio do caminho a pedra estava,
parada, refletia sobre o dia que não era dia...
 
A noite que não temia a chegada do sol,
filosofei, por receio, àquela pedra.

Esquizofrenia

Esquizofrenia pode desenvolver-se gradualmente,
tão lentamente que nem o paciente percebe!
 
Repentinamente, mudanças extraordinárias.
Dificuldade de concentração...
 
O que?
- Fugiu-me o assunto...
- Volte! Agora!
- Faço-me refém do presente! O que deixaria-me preso eternamente!
Assunto?
 
Esquizofrenia desenvolve-se gradualmente, lentamente...
Repentinamente,
- Que ano estamos, doutor?

Esclerótica Côncava

Calma, aprenda a sentir os anis anestésicos.
Licorosos e espumantes pensamentos, Orpheu!
Nega-te! Negue sua ilusória existência!
 
Fingirás, então, a dialética demagógica, além do Olimpo.
Pois remarás em remansos, morrerá no Aqueronte em prantos!
E ficará pasmo ao cantar a Caronte, sem nenhum encanto,
 
A inédita reprise desse canto!
 
 
(ARCHANGELO, A. Ápeiron, Ed. Buriti, 2019)
 
 

Iscariotes

Tudo bem?
Voltarei outro dia.
Talvez daqui um mês.
 
O tempo?
Não existe!
É fetiche, é traição,
Iscariotes!
 
Calma, levo-te,
levanto-te daqui um ano.
Talvez para sempre.
 
O tempo?
Não existe!
É fetiche, é traição.
Afrodite!
 
Leva-me embora carbono,
Lavo-me nas tuas chagas.
As que calam e consentem
 

Tamoios paulistas

Ourives perenes traga-me a impala,
A adaga viril, a condessa sú til.
Diamantes encravados na alma cigana
 
Ao cigarro e um copo de uísque
No conforto e na distração,
uma mente insana, porém cansada.
 
Desejos vidrados na televisão:
 
- Ao motim!
 
- Ao butim...
 
Tamoios paulistas circenses artistas
 
(ARCHANGELO, A. Ápeiron, Ed. Buriti, 2019)
 

Utopias ideais

Mentira, a mais bela de todas!
Mentira, a vida, ceifada aos prantos.
 
Passarás a vida inteira,
acreditando em seu suspiro?
Uivando seus delírios?
Cheirando a carnificina?
Apadrinhando a esperança?
Lutando por sonhos?
Utopias ideais?
Mazelas, pobreza ou riqueza?
 
E no fim, no silêncio,
imaginativo de teus passos,
um golpe: silencioso,
milagroso, escandaloso!
 

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