Á sobremesa

_Variação sobre um Thema de Heine_

(A EGAS MONIZ)

Na sala de jantar da baroneza
A conversa cahira mollemente,
E um creado esguio, sorridente,
        Trazia sobremeza.

Os commensaes fallavam sobre a vida.
--Viver é ir morrendo lentamente--
Dizia suspirando, em voz sentida.
        Um lyrico doente.

A vida, accrescentou, volvendo os olhos,
Um bacharel vermelho, de melenas:
--É um jardim de lirios e de abrolhos
        De cardos e verbenas...

Continuou depois solemnemente
Um outro, litterato, de lunetas,
Com fama de escriptor intelligente,
        Auctor de varias tretas:

--A vida é a viagem d'alguns dias:
Uns seguem n'ella a estrada dos revezes,
        Outros a do prazer. As duas vias
        Encontram-se por vezes...

O barão quasi calvo, de olhar vago,
Disse a sorrir, curvado na cadeira:
--A vida é isto. E despejou d'um trago
        Um calix de Madeira.

Ao fundo, um par de jovens namorados
Fazia brindes intimos de amor
E a digestão punha nos convidados
        Um languido torpor.

Ouviu-se então, em voz de confidencia,
Dizer á baroneza um titular:
--Minha Senhora, creia-me Vocencia,
        A vida--é esse olhar...

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