Diante do tumulo de Salvador Corrêa de Sá (Visconde d'Asseca) e de sua filha.[1]

 

«Não sabe o que é padecer,
            Quem o filhinho que adora
            Não viu ainda morrer!»
                          (A. Garrett)

      --«Bem sei que era exilio a terra
      Para ti, anjo do ceo!
      Porém, filha, abandonar-me
      Quando toda a minha vida
      Era a luz d'um olhar teu!
      Ouvir essa voz infante,
      Ver a impaciente alegria
      De teu candido semblante!

      «Deixar-me assim na existencia
      Triste, só, desamparado,
      Aquella flor de innocencia!
      Que lhe fiz? tinha-a cercado
      De quanto amor neste mundo
      Pela mão da Providencia
      A peito de homem foi dado!
      Oh! que affecto tão profundo!
      E tu pudeste partir?
      Pois não tiveste piedade
      D'esta solemne amargura,
      D'esta infinita saudade?
      Vi-te inda olhar-me, e sorrir,
      Erguer os olhos aos ceos,
      No instante de proferir,
      O fatal e extremo adeus!...
      ...........................
      ...........................

      «Oh! volve outra vez a mim,
      Desce á terra, anjo do ceo,
      Vem dar-me a ventura emfim!
      ...........................
      ...........................
      Olha: o vivo sol de Abril
      Já nestes campos rompeu;
      As rosas desabroxaram;
      O rouxinol desprendeu
      A voz em saudosos cantos;
      Os sitios onde passaram
      Os teus descuidados annos,
      Não os vês cheios de encantos?
      São estes! a mesma fonte,
      Ferve alem; naquelle outeiro
      O mesmo casal alveja;
      As ramas do verde olmeiro,
      Dão sombra á modesta igreja
      Onde tu vinhas resar,
      Quando o som da Ave-Maria,
      N'hora meiga do sol posto,
      De vaga melancolia
      Toldava teu bello rosto!
      Tudo o mesmo!?... esta inscripção!...
      Este nome!... anjo do ceo,
      Este nome, filha, é teu!!
      Oh! meu Deus, por compaixão,
      Na mesma pedra singela,
      Juntae o meu nome ao d'ella!»--
      ...............................
      ...............................
      ...............................
      E Deus ouviu a oração...
      O mesmo tumulo encerra
      Filha e pae. Na mesma lousa
      Onde repousam na terra,
      Uma lagrima saudosa
      Vem hoje depôr tambem
      A esposa, a viuva, a mãe!

1854.

      [1] Quem tratou de perto Salvador Corrêa de Sá (Visconde d'Asseca)
      conheceu um dos caracteres mais nobres da nossa terra. Estes versos
      dedicados á sua memoria são um testemunho de saudade bem humilde,
      mas bem sincero. Um dia o braço da Providencia arrebatou-lhe uma
      filha, anjo que principiava a abrir as azas candidas, e que subindo
      ao ceo levava o coração d'aquelles que lhe haviam dado o ser. Em
      breve ao lado do estreito tumulo onde ella repousava ia juntar-se
      o cadaver do pae!
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