FEUERBACK, Ludwig Andreas e o ATEÍSMO - Filósofos Modernos e Contemporâneos

FEUERBACK, LUDWIG ANDREAS.

1804/1872

O Ateísmo (o deísmo e o agnosticismo)

© Registro na BNRJ/EDA sob nº 605.931 – Livro 1.161 – Fl. 121.

Antes de iniciarmos o Ensaio propriamente dito, cremos ser oportuno esclarecer algumas dúvidas que cercam o termo “Ateu”, haja vista que normalmente a ele são associados adjetivos negativos sobre o caráter da pessoa que assume essa sua descrença.

Não restam dúvidas, de que esse comportamento preconceituoso seja uma triste herança deixada pelo uso da religião, principalmente a cristã, como instrumento de coerção nos processos de dominação, colonização, escravização e exploração dos novos países e continentes descobertos. E da espúria manipulação que se fez, e ainda se faz, da fragilidade intelectual e emocional da maioria, que quase sempre carece de que Outrem (mesmo que seja fabuloso, ou fantasioso) resolva seus problemas e encontre as suas soluções.

É como se o caráter do indivíduo dependesse da existência de sua crença num Ser mitológico e de sua subserviência ao mesmo.

Seguramente é mais uma das ignorâncias que a Filosofia sempre tentou combater. E ainda que nunca tenha obtido muito sucesso nessa luta, percebe-se que a mesma é sempre renovada. Espera-se que sempre continue.

Deísmo, Agnosticismo e Ateísmo

Ateus – são as pessoas que não creem absolutamente na existência de um Ser mitológico. Alguns, menos ortodoxos, aceitam a existência de “Uma Força, uma Energia”, ou, então, que tudo seja Deus e nesse caso, são chamados de Panteístas.

Deístas – são as pessoas que concordam parcialmente com a tese ateísta. Podem até aceitar que exista algum tipo de Deus, porém, “Ele” seria totalmente diferente daquele que as religiões propõem. Completamente isento dos atributos e do antropomorfismo que lhe emprestam. Acreditam não tenha influência direta na vida humana e nem seja útil para reforçar, favorecer, ou prejudicar uma situação física, concreta, terrena.

Agnósticos são pessoas que só aceitam como verdadeiras as teses que sejam logicamente, ou racionalmente, evidentes. São adeptas da Agnosia (do grego Agnosia = ignorância)”, que é o reconhecimento da própria ignorância sobre determinado assunto, principalmente aqueles do campo metafísico (ou seja, os assuntos que estão além da Física, do Concreto, do Material).  Logo, “não sabem, ou não tem certeza de que “Ele” exista.

O inicio da Religiosidade como parâmetro ético.

Como se sabe, já em seu declínio o Império Romano, através de Constantino, elevou o Cristianismo à condição de Religião Oficial do Império.

E que no Concilio de Trento um grupo de teólogos sistematizou e decidiu o que seria a religião Católica, que imperou absoluta durante quase toda “Idade das Trevas (o epíteto talvez não seja fortuito)”.

E que foi dessa maneira que os seus fundamentos tornaram-se os parâmetros para se avaliar o que seria “Certo ou Errado”.

E que, ainda que tais parâmetros fossem questionados e contestados pelas “Reformas Protestantes” de LUTERO e de CALVINO, além do incipiente Iluminismo, a Religião* oficial, em conluio com os Governantes, consolidou-os de tal forma, que eles se tornaram Verdades Absolutas.

NOTA do AUTORReligião* - etimologicamente: a religação de Deus com o Homem.

E duvidar de tais “Verdades” passou a ser uma prova de coragem extrema, ou de ingenuidade completa, pois, além de ser considerado um “pecado mortal” que seria punido no além-túmulo por toda Eternidade; a Igreja, novamente em conluio com os Governantes, instituiu a famigerada “Santa Inquisição (sic)” que punia com requintes de bárbara crueldade, o que se tornara um terrível “crime hediondo”, ou então, um sinal inequívoco de “Possessão Satânica” que só seria “curada” através de torturas no corpo físico do “endemoniado”.

Em alguns casos, após esse “tratamento”, o indivíduo ainda era banido e excomungado e se tornava pária de uma Sociedade que lhe era de fundamental importância, inclusive por questões de segurança física. Ou, então, era queimado vivo.

NOTA do AUTOR - nesse sentido, pode-se notar a força da herança deixada pela doutrina religiosa. Instituições que praticam regularmente a tortura, como o atual “Guantánamo”, dos EUA, os ex Gulags da ex- URSS e os novos campos da Rússia, os Campos de Concentração nazistas, o DOPS-CÓDI e as atuais delegacias de Policia do Brasil, entre várias outras maléficas instituições, são, na verdade, uma mera continuação da sórdida ideologia da “Santa Inquisição”, ou seja, eliminar pelo extremo sofrimento físico e psicológico qualquer ideia contrária àquela pregada pelos Poderosos da ocasião.

Ao bem da justiça deve-se dizer que o processo de coerção, inclusive a física, não se restringiu e nem restringe ao Cristianismo, pois no Oriente Próximo e Médio, o Islã cumpria e ainda cumpre essa mesma tarefa. Assim como o Xintoísmo, o Taoismo e outras Religiões fazem no Extremo Oriente.

O fato, portanto, é que em todo Mundo, tornou-se um anátema social não acreditar que Deus exista. Aliás, simplesmente duvidar dessa existência, ou crer num Deus que não “fosse religioso”, passou a ser sinônimo de malvadeza, de falta de “bons modos e de moralidade”, de perversões sexuais e outras, além de várias outras características pejorativas.

Apenas no Renascimento, descrença e dúvidas como essas ganharam relativa liberdade, mas só a partir do século XVII é que essa nova tendência ganhou músculos suficientes para enfrentar os adversários, com o surgimento dos grandes pensadores e dos grandes Sistemas Filosóficos.

Só então, o homem ganhou (ou conquistou) o direito de perguntar “se foi Deus quem o inventou o homem, ou se foi o homem quem inventou a divindade?”.

Esse tipo de questionamento, abafado pelas trevas da Idade Média e pela ignorância que permeou e permeia as outras Eras (inclusive a atual), já percorria a Filosofia desde os “Pré Socráticos”, quando, por exemplo, TALES, em c. 600 AEC, negou que o Universo tivesse sido criado por algum tipo de Deus. Ou, então, quando outro grego, DIÁGORAS DE MELO, propôs um sistema que argumentava em defesa do Ateísmo em c. 400 AEC.

Observa-se, assim, que ao longo do tempo, a Filosofia sempre acomodou tendências a favor ou contra a existência da divindade, ou como tal divindade poderia ser. Filósofos do porte de VOLTAIRE, SPINOZA e mais recentemente, KARL MARX e FREUD, por exemplo, debruçaram-se sobre o tema e cada qual, junto com tantos outros, deixaram valiosas colaborações para o acervo intelectual da humanidade.

Mas, o certo é que Deus sempre foi mais um “Objeto de Fé*”, do que de “Raciocínio Lógico”, como bem disse o Filósofo conhecido como Mestre ECKHART (c.1260/1327) ao dizer que: “Creio porque é Absurdo...”.

Afinal só se pode crer, justamente porque Deus é Absurdo, no sentido de ser metafísico, sobrenatural, além da Lógica e, portanto, imensurável, incognoscível.

Se “Ele” não fosse Absurdo, ou seja, se fosse mensurável, captável pelos Sentidos (tato, olfato, visão, audição, paladar) Não se precisaria Crer, já que seria possível Conhecê-lo racionalmente.

O Ateísmo, o Agnosticismo e o Deísmo atuais.

Assim, por ser Objeto da Fé Irracional e não do Raciocínio Lógico, e pela carga de informações duvidosas que o indivíduo recebe desde a mais tenra infância acerca da “necessidade e da propriedade” de se crer na existência de Deus, a perseguição aos que discordavam dessa imposição sempre foi severa, como se viu anteriormente.

E ainda hoje, apesar dos ventos liberalizantes que sopram eventualmente, é um assunto que provoca debates acesos e até insultos e/ou agressões físicas, não sendo raros os casos de imputação de adjetivos negativos que vão de “adoradores de Satã (sic) aos tristemente famosos “comunistas devoradores de criancinhas (sic) e outras preciosidades similares.

Finda essa explanação, abordaremos a seguir o ideário de FEUERBACK, que para muitos é o autor do comentário mais lúcido sobre o tema.

O Ideário FEUERBACK

Filósofo alemão do século XIX, FEUERBACK inspirou pensadores “revolucionários” como MARX e ENGELS e celebrizou-se como o autor de “A Essência do Cristianismo”, de 1841, que lhe serviu de base teórica para contestar o próprio Cristianismo.

No livro, FEUERBACK abraça muitos pontos do sistema de HEGEL, porém com a seguinte ressalva: enquanto aquele propunha a existência de um “Espírito Absoluto”, de uma “Idéia Total” que abrigaria em seu SER tudo que existe (tanto material quanto intelectual, emocional, espiritual) e seria a “Força Guia” que sustenta, ou que é a base da vida, operando na Natureza (nas árvores, nos animais, nas plantas, no Mundo, no Universo etc.); FEUERBACK propôs que a Experiência Humana (a história, os atos, os pensamentos do homem) é que seria essa “Força Guia”.

Para ele, os humanos não seriam meras projeções (formas externas, externalizadas) de algum “Espírito Absoluto” como o proposto por HEGEL. Os homens seriam, em verdade, o contrário disso.

Seria o homem quem cria a noção de que existe o referido “Espírito Absoluto, ou Maior, ou Deus”, tomando por base a si mesmo.

NOTA do AUTOR – seria o inverso do texto bíblico que afirma que “Deus fez o homem à sua imagem e semelhança”. Para FEUERBACK teria sido “o homem o autor dessa divindade, feita à sua imagem e semelhança”.

Sugere FEUERBACK que é uma aspiração humana concentrar em um único Ser tudo que existe de melhor (compaixão, solidariedade, bondade* etc.) e que aí está à gênese do Deus das religiões.

Ou seja, pensa-se que todas as boas qualidades que se gostaria de ver nos indivíduos, é um atributo natural desse SER a quem se chama de Deus.

NOTA do AUTOR – mas o que são a “bondade, a solidariedade, a compaixão?”. Serão iguais para todos e em todas as épocas? No final do presente Ensaio discorreremos sobre a relatividade desses conceitos.

A partir, então, do fato de que “Deus é apenas uma invenção do homem”, FEUERBACK afirma que a Teologia (Teo = deus + logia = estudo) é, na realidade, apenas uma Antropologia (o estudo sobre a Humanidade).

Pois, ao se estudar Deus, o que se estuda, de fato, é o homem. As suas necessidades, as suas carências, as suas soluções etc.

Segundo FEUERBACK, não só se ilude quando se pensa que Deus (ou deuses, ou “Seres divinos”) existe, como quando se esquece, ou quando se renega o que o homem é; pois, deixa-se, então, de se ver que aquelas virtudes que se empresta ao divino, já são existente nos Seres humanos, apenas com as óbvias diferenças individuais.

Alguns as têm em maior grau, outros em menor escala, mas até mesmo naqueles considerados totalmente perversos, seria possível encontrar alguma característica positiva.

Por tudo isso, para FEUERBACK, deveríamos focar nossos maiores e melhores esforços nas virtudes da humanidade, e não na retidão, na suposta “Bondade Divina”, já que são as pessoas, nesta vida presente que merecem a atenção integral.

FEUERBACK versus HEGEL o Ateísmo.

 

Para FEUERBACK, HEGEL abandonou um dos pilares da boa filosofia ao não adentrar mais profundamente nos conceitos de Bom e Mal, que são essencialmente relativos e concordes com a sua época.

É o caso típico, por exemplo, da Escravidão que no Passado era considerada “boa” e no Presente é taxada de “”.

Assim, dizia, “Deus ou o Espírito” de HEGEL é uma noção equivocada, pois ao lhe atribuir “boas qualidades”, ele o fez sem questionar o que seriam, de fato, essas “boas qualidades”, já que as mesmas por serem relativas, mudam conforme as condições sociais em que são evocadas, como se viu no exemplo acima.

A Relatividade do Bom, do Mal, do Belo etc.

O que são, de fato, o Bom, o Mal, o Feio, o Belo, a Verdade, a Mentira?

Em essência, aquilo que é um consenso para a maioria das pessoas? Mas, essa maioria seria capaz de fazer tal julgamento? Ou ela não estaria mais associada ao instinto de seguir lideres que a comandam e dizem o que deve achar? A maioria teria escopo intelectual para fazer tais distinções?

Fazendo-se uma suposição de que a maioria das pessoas tivesse claramente definida a sua opinião sobre essas questões, ainda assim seria um juízo relativo, pois continuaria existindo uma minoria.

Então, o que fosse considerado “Belo” para fulano, poderia ser considerado “Feio” para sicrano, etc. Tais conceitos, dentre tantos outros, serão sempre Relativos e nunca Absolutos.

Logo, tudo é relativo. Inclusive as “boas qualidades” atribuídas a Deus. O próprio Deus seria Relativo e ao perder a condição de “Absoluto”, perderia consequentemente a condição de ser um “infalível ente divino”, pois teria tantas contradições quanto qualquer humano.

Portanto, para FEUERBACK, Deus é apenas uma fantasia humana, fabricada pelos homens para que ela os console em suas aflições e lhe sinalize alguma recompensa futura que possa compensar a falta de sentido que a sofrida existência apresenta.

NOTA do AUTOR – não é difícil imaginar o horror que tais afirmações causaram quando foram levadas à luz. Ainda hoje, é uma tese que provoca os mais exacerbados protestos e as mais virulentas censuras. Afinal, a pressuposição da existência divina é uma decorrência direta da nossa imensa fragilidade. Mais do que um imposição, o homem acredita em Deus porque isso lhe é fundamental. Essa ilusão é que o faz suportar as agruras por que passa.

Em principio tendeu-se a concordar com FEUERBACK, na disputa contra HEGEL. Contudo, vários pensadores, num segundo momento, numa reflexão mais acurada, notaram que lhe faltou argúcia; pois HEGEL ao estipular que tudo é formado pelo “Movimento Dialético”, ali já embutira o “Relativismo das coisas e dos conceitos”.

Pois, como se sabe, para HEGEL uma idéia, ou uma noção é composta por uma Tese (que afirma alguma coisa) e esta é confrontada por sua própria Antítese (que nega aquela mesma Coisa, ou parte da mesma, inclusive por não estar de acordo com a Moral da época). Desse confronto é que surge uma Síntese (que é aquela mesma Coisa, só que aprimorada e/ou atualizada seguindo o padrão do momento).

Dessa forma o conceito, a idéia ou a noção de “Bom”, por exemplo, é Absoluto ou Imutável, já que Relativos são apenas os componentes que o formam em cada momento.

Voltando ao exemplo da Escravidão, veremos que hoje, “Bom” é a “ausência” de escravidão.

Note-se, portanto, que o significado mais profundo da noção de “Bom” não foi alterado. Continua a ser aquilo que agrada aos costumes e à moralidade de cada época.

Hodiernamente, dentro do “Movimento Dialético” de HEGEL, bom é a Antítese, ou seja, a negação da escravidão.

Logo, se o Espírito que HEGEL afirmou existir for formado por essas noções, digamos, maiores e por esses Conceitos Absolutos”, ele só pode ser “Absoluto” também. É, portanto, bem mais que uma simples fantasia.

Epílogo

A discussão sobre a existência ou não de Deus, aqui tratada, obedeceu apenas ao plano da reflexão filosófica superior. Não se pretendeu questionar a validade da fé individual de cada um.

Dedicado à Miucha, guerreira do bom combate em favor da racionalidade, da verdade, e pelo fim do fanatismo e da superstição.

© Registro na BNRJ/EDA sob nº 605.931 – Livro 1.161 – Fl. 121.

 

Produção e divulgação de TAÍS ALBUQUERQUE, desde Bastos, interior de SP, no inverno de 2013.

Género: