O CAMPO DAS CEBOLAS

O CAMPO DAS CEBOLAS

 O ano de 1967 estava a dar os primeiros passos, quando recebi a notificação para me apresentar na EPI (Escola Prática de Infantaria) em Mafra, com guia de marcha e guias de transporte. Começava a fazer o meu trabalho de serviço militar obrigatório, como tantos milhares de jovens.

Segundo os meus cálculos, era seguir a via-férrea, atravessar o Tejo, apanhar novamente o comboio, mudando em estações e apeadeiros, e ao fim de um dia lá chegaria. Aconselhado por uns camaradas militares, deveria apanhar os autocarros do sargento Leste, porque havia sempre lugar para mais magalas. Este Sargento deve ter ganho fortunas com este negócio de transporte de militares: “Segues via ferroviária pelo Barreiro e desembarcas no Terreiro do Paço. Ali perto tens o Campo das Cebolas.”

Era o Campo de embarque e desembarque de milhares de soldados a tirar a recruta, alunos do 1º e 2 º ciclos do Curso de Oficias Milicianos.

No final de uma semana de preparação militar, todos estavam desejosos de regressar para junto dos familiares, namoradas, noivas e alguns para junto de mulheres e filhos.

Depois de passada revista às tropas, o Comandante de Companhia verificava, in loco, se todos tinham a atavio militar em ordem para sair para o exterior, recebiam o passaporte, a fim de ultrapassar a Porta de Armas. Quem o tentasse, sem esse papelinho, era considerado um desertor.

No fim-de-semana, por mal dos meus pecados, cortaram-me a saída, por não ter o cabelo bem alinhado, cabelo à moda militar.

Aproveitei o castigo para colocar em ordem todos os botões da fatiota militar, reforçados com linhas de costura. Rastejava, fazia ordem unida, ginástica, subia ao galho, praticava umas mil peripécias militares, mas nunca saíram das suas belas casinhas da farda militar.

Nunca mais fiquei aos fins de semana naqueles espaços sombrios em corredores sem fim.

Assim, em frente ao Convento de Mafra, lá estavam aos sábados de manhã, os autocarros perfilados, pareciam excursões para Fátima. Seguiam uns atrás dos outros, uns para o Norte do País, com estadia no Porto, outros seguiam viagem para Lisboa – Campo das Cebolas. Ali éramos depositados para seguir viagem para os nossos destinos.

Muitas vezes sem pressas, ou à espera de um amigo, desfrutávamos de um grande terreiro, envolvido por monumentos pombalinos da Baixa Lisboeta. O Campo das Cebolas é a fronteira sul do Bairro Alfama, um dos Bairros mais antigos de Lisboa, que nas Marchas dos Santos Populares bate recordes.

Por aqueles lugares, cruzavam-se vadios, proxenetas, maricas, prostitutas, atravessando degraus, túneis, o Arco Escuro, o Arco de Jesus, passeios não aconselháveis na vida nocturna. Havia melhor alternativa, subir para locais mais abertos e largos, ir para o Chafariz D’Entro, o Arco do Ai Jesus! Arcos e caminhos que tantos camaradas iriam percorrer na guerra do Ultramar, numa esperança de Ressurreição, enquanto familiares e amigos se cobriam de luto escuro, doloroso, choroso…

Muitas vezes subi à Graça, e lá estava a minha Prima Maria Luiza Fernandes, sempre mestre na arte da costura, mas sem esquecer de confortar o estômago do primo, com um almoço à sabugalense.

Na força da nossa juventude não faltavam uns bailaricos nos Bombeiros Voluntários de Lisboa, ali para os lados do Bairro Alto, com umas estudantes externas de um Colégio de Freiras. Com botas a brilhar, fardamento militar ajustado, a estrelinha de soldado cadete, não havia braços que não se colassem aos nossos, às vezes reconfortáveis… em Bailes, no Carnaval, ou Cinema e Teatro Monumental.

Nos velhos cacilheiros seguia viagem para Cacilhas (a mais antiga universidade daqueles que nunca a frequentaram), e depois no autocarro da Setubalense, a caminho de Setúbal, e só parava no Bairro da Azeda de Cima, onde tinha os afectos dos meus pais e irmãos e irmãs.

Actualmente, passadas seis décadas, o Campo das Cebolas está totalmente remodelado, entre o Terreiro do Paço e Santa Apolónia, já não é campo de militares, de despejos de cebolas, batatas e outros cereais, nem estacionamento desorganizado do trânsito, nem tem as tascas onde se comia por tuta e meia uma bifana. Agora são os restaurantes com ementas em inglês, é só para gente com carteira cheia, com cartões multibancos bem recheados de números.

Aquele espaço tem jardins cuidados, parques para as crianças, um território histórico à beira do Tejo, vizinho da Casa dos Bicos, sede da Fundação José Saramago.

Como os tempos mudam…

 

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Julho/2018

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