Tinha tudo.

Sugeriu-lhe um charuto. Acendeu-o sugando o seu suco seco. Refastelou-se no cadeirão olhando os montes, depois, o prado à sua frente. Estava verde. A aragem misturava-se com o charuto. Foi ali naquele lugar que quis voltar a viver. Relembrou. Já fora tempos em que galgava aqueles montes na liberdade de criança e na leveza do corpo. Tudo podia e sentia-se capaz. Os pés descalços que tocavam a erva em velocidade veloz. Ah... sabia-lhe bem. Olhou seu abdomen proeminente, sentiu-se pesado. O reumático não ajudava e aos oitenta anos desistiu de o combater. Relembrou os dias felizes. A sua fisga de pontaria certeira. Muitos passarinhos fritos a mãe lhe fazia. Ah e a água do poço. Os candeeiros a petróleo. As conversas dos adultos, uns sentados em cadeiras de madeira e assento de corda, outros encostados ao muro da eira, reunidos à porta debaixo das noites estreladas. Quais candeeiros eléctricos. Não haviam e a noite assim era mais bonita. A criançada rodopiava em gritinhos e correrias até ser hora de ir para a cama. Nesse tempo tudo passava devagar, como agora.

Depois a Amélia. Conheceu-a ali no sítio. Relembrou-lhe o sorriso bem disposto dela e... as curvas. Bem feitinha. Só em moço reparou bem nela como mulher. Gostava dela já em menino. Brincavam juntos e era-lhe querida. Casou com ela.

- Vamos jantar?

Acordou dos seus pensamentos. Olhou a Amélia.

Levantou-se devagar sem dizer nada. Seguiu a sua Amélia. O ritual.

Podia o tempo não mais voltar mas a Amélia era tudo o que tinha e a vida ainda não lhe tinha roubado a memória.

Tinha tudo. As correrias nos prados até aos montes e a bela Amélia.

Género: