Viajar no tempo

 

“Tudo passa, menos eu.”

Passa no rio a corrente,
Passa o vento pelo ar,
Passa o sonho pela gente
E o sossego ao despertar…

Passam trens, passam cantigas,
Passam belas raparigas,
Passam velhos a arquejar…
Passa o luto e a desgraça,
Passa o medo e ameaça
Da coragem
Nesta vida soçobrar…

Gritos, guerras e canhões,
Atropelos, empurrões,
Paz, doçura e harmonia…
Tudo passa, tudo passa,
Tudo treme e ameaça
Decompor-se
Nesta luta fugidia…

Tudo passa?! Ou tudo fica?!
Se esta amálgama bendita
Se renova em cada hora…
Como passa o sentimento?
Donde vem este lamento
Que em minh'alma sempre mora?

Fito um barco regressando,
Um lenço branco acenando,
Uma gaivota no ar…
E o sol no horizonte,
Mai-lo mar e mai-la ponte…
Lá vem o trem a apitar…

Pedras, montes, arvoredos,
Céus sem fim, ó amplidão!
Corpos nus, desamparados,
Dizei-me: “sentis ou não?”

Tudo passa menos eu.
O sol baixa e já nasceu,
O mar, esse não tem fim;
Na ponte o trem apitou,
Amanhã outro voltou…
Tudo passa e pára em mim…

E eu amo como gente,
Como pedra, sol poente,
Como aves a adejar…
Amo tudo e tudo sou
Pois que em mim tudo morou
E p’ra sempre há-de morar!

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