LYRA XXVII.

Alexandre, Marilia, qual o rio
Que engrossando no Inverno tudo arraza;
    Na frente das cohortes
    Cérca, vence, abraza
    As Cidades mais fortes.
Foi na gloria das armas o primeiro,
Morrêo na flor dos annos, e já tinha
    Vencido o mundo inteiro.

  Mas este bom Soldado, cujo nome
Não ha poder algum, que não abata,
    Foi, Marilia, sómente
    Hum ditozo pirata,
    Hum salteador valente.
Se não tem huma fama baixa, e escura;
Foi por se pôr ao lado da injustiça
    A insolente ventura.

  O grande Cesar, cujo nome vôa,
Á sua mesma Patria a fé quebranta;
    Na mão a espada toma,
    Opprime-lhe a garganta,
    Dá Senhores a Roma.
Consegue ser heróe por hum delicto;
Se acaso não vencesse então seria
    Hum vil traidor proscripto.

  O ser heróe, Marilia, não consiste
Em queimar os Imperios: move a guerra,
    Espalha o sangue humano,
    E despovoa a terra
    Tambem o máo tyranno.
Consiste o ser heróe em viver justo:
E tanto póde ser heróe o pobre,
    Como o maior Augusto.

  Eu he que sou heróe, Marilia bella,
Seguindo da virtude a honroza estrada.
    Ganhei, ganhei hum throno.
    Ah! não manchei a espada,
    Não a roubei ao dono.
Ergui-o no teu peito, e nos teus braços:
E valem muito mais que o mundo inteiro
    Huns tão ditosos laços.

  Aos barbaros, injustos vencedores
Atormentão remorsos, e cuidados;
    Nem descanção seguros
    Nos Palacios cercados
    De tropa, e de altos muros.
E a quantos nos não mostra a sabia historia
A quem mudou o fado em negro opprobrio
    A mal ganhada gloria?

  Eu vivo, minha bella, sim, eu vivo
Nos braços do descanço, e mais do gosto:
    Quando estou acordado,
    Contemplo no teu rosto
    De graças adornado;
Se durmo logo sonho, e alli te vejo.
Ah! nem desperto, nem dormindo sóbe
    A mais o meu desejo.

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