A CONSULTA DO ANO

A CONSULTA DO ANO

O nosso Homem, em fase de recuperação, tem necessidade de revisões e de uma assistência médica próxima.

O nosso Homem ainda tem a sorte de ter um médico de família, que acompanha o seu caso clínico com competência e profissionalismo, por vezes com necessidade de solicitar exames ou diagnósticos suplementares.

Na última consulta em Outubro, encaminhou um pedido para uma consulta de patologia respiratória do sono no Hospital Principal. No mesmo mês chegou a resposta, com a marcação para o dia 28 de Novembro.

Num país onde a saúde é lenta, familiares e amigos ficaram muito admirados com a rapidez da resposta e da marcação da consulta. Muitos, mais virados para a Fé, pensaram tratar-se de um milagre de Fátima.

O nosso Homem guardou a respectiva convocatória de consulta externa, com o aviso de que, se por qualquer motivo não pudesse comparecer, devia informar da sua ausência através de email ou por telefone.

No último parágrafo, havia uma chamada de atenção: “caso não esteja isento, esta consulta está sujeita a pagamento de taxa moderada de acordo com a legislação em vigor.”

No dia da consulta, o nosso doente foi ao guarda fatos à descoberta de roupa mais digna para se apresentar mais aperaltado, para não aparecer, como em outras ocasiões de urgências, com as botas de trabalho campestre, de pijama ou quase de cuecas.

Um amigo, a residir na cidade do Hospital Principal, convidou-o para o almoço, uma hora antes da dita consulta. Acontece que a viagem demorou mais do que o previsto, os comensais da casa também atrasados, e já não houve tempo para o repasto. Não vem mal ao mundo um doente apresentar-se de estômago vazio, às vezes é conveniente.

Chegou cinco minutos antes da hora da consulta, tirou a senha num aparelho tipo multibanco e aguardou sentado no auditório quase repleto, a relembrar um auditório ou uma sala de cinema com filmes a preto e branco.

Já se sabe, quando se vai a uma consulta nunca se sabe o tempo de espera, pelo que o nosso doente levou dois livros delirantes: “As Viagens à China” do António Alçada e “O Deputado da Nação” de Manuel da Silva Ramos e Miguel Real.

Mal dera tempo para abrir os livros quando um écran televiso anunciou o número de senha para o seu portador se dirigir ao guichet.

Apresentada a convocatória, a funcionária perguntou-lhe se trazia o cartão SD de leitura do aparelho da apneia do sono, sendo informada de que desconhecia tal nomenclatura.

Fez o expediente e foi informado para continuar a aguardar a chamada para a consulta. Demorou pouco tempo, nem deu para se sentar. É chamado de urgência ao guichet e é informado que há erro na data: o dia está certo, mas é só no próximo ano.

Conclusão desta ida ao Hospital Principal: o doente e o médico de família têm de esperar mais de um ano para ter um parecer médico de pneumologia.

Um mal nunca vem só: o doente ficou sem consulta, sem almoço, sem gasolina no carro e sem mais uma jornada de reforma agrária num dia de Sol maravilhoso.

Se a morte bater à porta do nosso doente, irá ter uma voz amiga a dizer-lhe: “tenha paciência, paciência santa, que a consulta será no outro mundo.”

Também quando exigirem o pagamento dos impostos, o nosso doente vai solicitar o adiamento, pagará quando não estiver no reino dos vivos.

Assim vai a saúde neste país para quem não tem rendimentos para ir à medicina privada.

O nosso Homem, se não morrer entretanto, voltará daqui a um ano ao Hospital Principal para lhe observarem os pulmões. Espera que seja num dia de Sol.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Dezembro/2018

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