PRIMAVERA

 

      Contempla este ceo esplendido,
      Ouve aquellas melodias
      De tanta ingenua avesinha,
      Que alegre, os serenos dias
      Da primavera adivinha.

      Não vês a olaia? vaidosa!
      Só por vêr que a amendoeira,
      Mais cedo desabrochou,
      Vermelha como uma rosa,
      De repente se tornou.

      Oh! bem vinda primavera!
      Ao vêr o sorriso terno
      Da tua boca divina,
      O prado, o monte, a campina,
      Que o triste e gelado inverno
      Sem piedade devastou,
      Num momento se animou!

      Em teu regaço a abundancia,
      Esperançosa floresce;
      Á sombra de teus verdores,
      Entre a suave fragrancia
      De tuas variadas flores,
      Contente o pobre adormece.

      E tu, minha vida, ao vêr-te
      Sósinha a meu lado agora,
      Nesta estação, nesta hora,
      Neste encantado logar,
      Á sombra d'essa verdura
      Onde frouxa a luz desmaia,
      Ante o mar que além suspira
      Na loira areia da praia,
      Não vês que a razão delira,
      Que dentro do coração
      Não cabe tanta ventura?!

      Falta a vida, sim, a vida,
      Para esta alegria immensa,
      Das nossas almas, querida!
      Viva, ardente, pura, intensa,
      Nesses olhos brilha a chamma
      Do amor que tua alma incerra;
      Alma que ao sopro de Deus
      Em divino amor se inflamma,
      Alma que veiu dos ceos,
      E que não cabe na terra.

      Fugaz, tranzitorio, vão,
      Será para nós o encanto
      Que nos enche neste instante
      De ventura o coração?

      Será! que importa? constante
      Virá depois a saudade,
      Abraçar essas memorias
      De infinda felicidade;
      Como ao templo aonde as glorias,
      De paz, de amor, de alegria,
      Se celebraram um dia,
      Mas templo que ao chão tombou,
      Se abraça a hera viçosa,
      Reveste as pobres ruinas,
      Amparando carinhosa
      Esse resto que ficou!

      Uma lagrima extremece,
      Vem de teus olhos á flor!
      Minha vida, esquece, esquece,
      Que póde haver na existencia
      Momentos de acerba dor!
      O sopro da Providencia,
      Vivo está, vivo respira,
      Neste ceo desassombrado,
      Na corrente que suspira,
      Neste cantico inspirado,
      Que as aves soltam no val,
      E d'elle provém a essencia
      Do nosso amor immortal!

      Contempla o vasto horisonte
      Que o sol vivido illumina;
      Olha as flores da campina;
      Escuta as aguas da fonte;
      Respira esta aragem pura,
      Embalsamada, e suave;
      Ouve o cantico d'essa ave,
      Que improvisa na espessura!

      Recolhe n'alma o perfume,
      D'esta encantada poesia.
      D'este sol, d'esta alegria,
      Que em torno de nós fulgura,
      E responde, minha vida,
      Se a nossa alma neste instante
      Póde com tanta ventura!

Abril de 1856.
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