SÊ FELIZ

 

      Sê feliz! Hontem ainda
      Contemplando o teu semblante,
      Na sua innocencia infinda,
      Porém triste nesse instante,
      Roguei a Deus do mais fundo
      Mais puro do coração,
      Que uma lagrima, um desgosto,
      Uma sombra de amargura,
      Jámais viesse no mundo,
      Turbar teu candido rosto.

      Sê feliz: toda a ambição
      Que por ti minh'alma encerra
      É ver-te feliz na terra!
      Nada mais. O amor profundo,
      O mais violento embora,
      Tem sempre na vida um'hora
      De egoismo, e esta affeição,
      Que uma só vez na existencia
      No meu peito se accendeu,
      Que jámais se ha de extinguir,
      Tem a pureza do ceo,
      Proveiu da tua essencia!

      Se no presente ou porvir,
      Alguem que te encante a vida
      Existe ou tem de existir...
      Não terei zelos... Unida,
      Para sempre a outro affecto
      Passarás junto de mim,
      Embora, direi então:
      «Sê feliz: toda a ambição,
      Que por ti minh'alma encerra
      É ver-te feliz na terra!»

      E sabes?... ao Creador
      Dou graças por me haver dado
      Este puro sentimento
      Em vez do fogo do amor.
      Ai! se um dia, no momento
      De ver-te, te houvesse amado!...
      Se em vez da chamma suave,
      Que em meu coração se inflamma,
      Se ateasse aquella chamma,
      Se houvesse emfim rebentado
      Aquelle fatal volcão!...
      Ai! de mim! quanta amargura!
      Quanta angustia o coração
      Não teria já passado!
      Porem assim!... não, ai! não!
      Sê feliz: toda a ambição
      Que por ti minh'alma encerra,
      É ver-te feliz na terra!

Maio de 1854.
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