TRISTEZA

 

Extingue-se o anno, são findos os dias
Que os valles encheram de próvida luz;
O inverno c'roado de nevoas sombrias,
Seus pallidos gêlos á terra conduz.


O rio em torrentes inunda as campinas,
As veigas perderam seu floreo matiz,
Pesada tristeza reveste as collinas,
E as selvas que ha pouco sorriram gentis.


Em tudo a meus olhos avulta uma imagem
De triste abandono, de mystica dôr:
Apraz-me este luto que veste a paizagem,
Apraz-me esta scena d'extincto verdor.


Como estas campinas outr'ora florentes,
Meus dias formosos floriram tambem;
Como ellas agora, meus dias cadentes,
Despidos de encantos, já viço não tem.


Quão rico de gôsos o tempo corria!
Quão triste o presente, quão pobre ficou!
Só resta a saudade, qual vaga harmonia
Que uma harpa nocturna de longe soltou.


Mas essa que vale perdida a esperança?
Que vale um passado que já não é meu?
Á flôr desbotada que importa a lembrança
Da aurora suave que aroma lhe deu?


Um dia outra quadra mais bella e mais pura
Virá de boninas ornar os vergeis;
Mas vós, ó meus tempos d'amor e ventura,
Sois findos p'ra sempre, jámais voltareis.


Sondando o futuro, minha alma conhece
Que os ermos do mundo já rosas não tem:
Já tudo succumbe, já tudo fenece,
O sol da ventura, e a esp'rança tambem.


Té mesmo em meu peito vacilla agitada
A chamma da vida perdendo o calor;
Meus dias declinam qual luz desmaiada
Que doira as montanhas com tibio fulgor.


Se tudo, ah! se tudo findou no passado,
Se as trevas se estendem nos céos do porvir,
Que esperas, minha alma? do livro do fado
São negras as folhas: só resta partir.


Ao longe, quem sabe? sulcando as alturas,
Jardins mais formosos verás na amplidão,
De flôres eternas, d'eternas verduras
Que os gêlos da terra jámais seccarão.


Temendo os rigores do outomno visinho,
As aves adejam buscando outros céos:
Tu és, ó minh'alma, qual ave sem ninho,--
Procura outros climas, rasgando os teus véos!
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