Avô

Avô,
Tive um pesadelo daqueles que nos deixam acordados o resto da noite.
Eu sei que já não tenho idade para ficar tão afetado com estas coisas, 
mas desta vez acho que tenho desculpa.
Lembras-te daqueles tempos em que eu acordava aos gritos sem saber se realmente continuava a sonhar?
Aqueles verões onde passava meses contigo com a tia, e a avózinha.
Aquelas noites onde só a tua mão possuia a capacidade de extinguir qualquer dor de barriga.
Lembras-te avô? 
Eu lembro-me.
 
Guardo, e guardarei dentro de mim todos esses momentos,todos os dias, todas as noites.
Enquanto estiveres comigo irei sempre dar-te todo o meu carinho, 
pois ao dar-te todo o meu carinho estarás sempre comigo.
Aconteceu outra vez, tive daqueles pesadelos que tanto a mim quanto a ti nos deixavam em branco.
Sonhei que tinhas desaparecido avô. 
Sonhei que estavamos reunidos a tua volta no entanto não havia um único sorriso em ninguém.
A avó agarrada a tia Luísa chorava que não eras nosso, tinha chegado a tua hora de partir. 
O meu primo Vasco sentou me e relembrou-me de histórias que eu sabia de cor, virei-lhe as costas , recusei-me a ouvir.
 
Sabia demasiado bem que tudo aquilo era um sonho, só não sabia quando iria acordar.
Ao contrário de um pesadelo não senti medo, nem pânico.
Apenas uma dormência constante no meu corpo, o vento soprava mas não refrescava.
A comida sem sabor, as cores, os cheiros, tudo perdido numa dormência permanente.
Quando voltámos para casa,  estava igual, nada havia mudado, porém sentia-a mais pequena.
 
A cadeira onde te sentavas a fumar o cigarro a seguir ao jantar estava no sítio do costume,
O quarto, a cama, as roupas, o isqueiro, tudo indicava a tua presença.
Lembrei-me de quando acordava com música, e te ia dar os bons dias ao terraço onde lá estavas tu nas tuas ginásticas.
Subi as escadas a correr, abri a porta da marquise, virei a esquina da varanda, e, nada.
 
Disseram-me que tinhas uma campa, disseram-me para te deixar flores, pediram-me para rezar por ti.
Nada disto faz sentido, não pode fazer. 
Ainda ontem cheguei da casa do João por volta da hora de jantar, toquei a campainha com o nosso toque, a Fatinha abriu-me a porta,
e lá estavas tu no centro da mesa de jantar a meio da sobremesa a comer a tua pêra cozida apesar de ainda serem 20:05.
Peguei num prato, servi-me e sentei-me a tua direita como sempre faço, dei-te um beijo na testa como sempre dei, e tu sorriste para mim como sempre sorrias.
 
 
Os meus olhos não me enganam, e a tua pele continua com o mesmo cheiro.
Ao meu redor sinto o tempo mais pesado, respiro o ar mais cansado.
As minhas mãos começam a evaporar, as paredes começam a desabar, a dor começa a voltar.
Rápido avô dá-me um abraço antes que o meu pai me acorde.
 
Voltaremo-nos a encontrar para jogares comigo o jogo de ténis que prometeste.
Nunca te disse adeus,e nunca irei dizer.
Continuarei a subir na vida apoiado nas tuas costas, enquanto me dás a mão. 
Falo por tudo aquilo que criaste, por todos aqueles que te amaram, e tu amaste.
Digo-te que não eras perfeito mas eras o meu avô.
Onde cada linha é saudade, continuamos-te em cada um de nós.
Digo-te que te amo, hoje, e para sempre.
Até já.
 
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